
As lições quando se falha
Hoje pegamos num exemplo de projecto na área da agricultura biológica porque ele é demonstrativo daquilo que deve e pode ser o espírito empreendedor.
Ter sucesso é aquilo que todos desejamos quando nos lançamos num projecto. Mas sabemos sempre que falhar, mesmo não sendo uma opção, pode acontecer. Decidimos publicar o texto que se segue, que é público, porque ele contém ensinamentos que podem ser muito úteis a quem se queira dedicar a uma iniciativa nesta área. Mas sobretudo pela generosidade que demonstram quer a Filipa quer o Telmo, ao partilharem aquilo que foi o seu percurso, os seus anseios, expectativas e erros durante o tempo em que decorreu o “Casal Hortelão”, em Sintra.
É uma lição de empreendedores para empreendedores. Obrigado a ambos.
Se nos quiser enviar a sua história, seja ela de sucesso ou não, use este endereço de email: geral@empreendedores.com.pt ou o formulário de contacto.
Pode anexar fotografias e vídeos.
“Este será o último post do Casal Hortelão. O casal continua, a família continua mas o negócio, a empresa, essa terminou. Não chegámos a publicar muitos posts que achámos interessantes sobre técnicas, ferramentas e experiências, por vezes por falta de tempo outras vezes por falta de motivação para o fazer.
A verdade é que desde que abrimos a empresa em 2011 aprendemos imenso sobre ter um negócio, as coisas boas e as coisas difíceis. E se tivessemos hoje a energia que tinhamos há cinco anos atrás, com a experiência e aprendizagem que temos na bagagem, tenho a certeza de que conseguiríamos dar a volta e pôr o Casal Hortelão de novo a funcionar. Mas para se levar um negócio próprio para a frente a energia é imprescindível e nós atingimos um ponto de “burnout”, a expressão em inglês que é a que melhor define o nosso cansaço e exaustão neste momento.
Por isso decidimos parar por agora, refazer o plano com calma nos próximos anos, fazer as pazes com o negócio agrícola, cuidar da nossa família que entretanto cresceu, e um dia, quem sabe, começar de novo.
Mas não nos queríamos despedir de todos os que nos seguiram ao longo destes anos, os amigos, os clientes, sem ao menos tirar alguma coisa boa disto tudo. Por isso decidimos compilar neste post os principais erros e as principais lições que tiramos deste projeto, e deixar alguns conselhos a quem está a começar ou a pensar começar um negócio de agricultura biológica em Portugal.
Por nenhuma ordem em particular, os principais erros e dificuldades:
- A nossa horta estava localizada num terreno alugado, e apesar de não ser algo que impede o negócio a verdade é que acaba por restringir as opções e a liberdade, principalmente se não for possível viver lá. A logística tornou-se complicada e fomos por várias vezes assaltados.
- Outra dificuldade que tivemos e que tentámos ignorar foi estarmos os dois em part-time ou apenas um de nós a tempo inteiro dedicados ao negócio.
- Achámos que íamos conseguir fazer tudo sozinhos, os dois: site de raíz, cartões-de-visita, instalação da rega, mercados, preparação de cabazes, entregas, sementeiras, plantações, limpeza de ervas, colocação de plásticos, estacas, registos, regas, reparações, telefonemas e emails, fornecedores…
- Demos alguns passos maiores que as pernas – estar em dois mercados e fazer entregas 3 dias por semana tirou-nos horas de trabalho na horta, horas de vida em família e energia, e sem render tanto como seria de esperar.
- O termos aberto atividade como empresa foi sem dúvida um erro – queríamos fazer tudo certinho e partilhar o projeto entre os dois, mas para começar, sem experiência e sem muitos recursos financeiros deveríamos ter aberto atividade como agricultores até conseguirmos ter um rendimento estável e que justificasse as elevadas despesas de uma empresa.
- Começar a distribuir produtos de outros produtores, em pequena escala não compensa. As margens são muito baixas e quando se encomendam pequenas quantidades os fornecedores não entregam, por isso perdemos muitas horas e tivemos muitos custos com combustível a ir de fornecedor em fornecedor. Além disso, assistimos ao fenómeno de perda de clientes que deixaram de nos comprar porque se identificavam com o projeto “Casal Hortelão”, que não fazia sentido enquanto mero distribuidor.
- Estivemos cinco anos a dizer que precisavamos de equipamentos e infraestruturas adequadas à nossa escala e às nossas tarefas diárias. Se é verdade que se calhar um tractor não era imprescindível, também não fazia sentido prepararmos 20 camalhões com uma moto-enxada ao longo de uma semana – para além de muito mais demorado, o esforço físico era enorme e a eficiência muito reduzida. Teria valido a pena investir numa moto-cultivadora ou então num mini-tractor logo de início com alfaias adequadas. Nunca construímos um armazém, uma zona de lavagem ou para as sementeiras. Tudo infra-estruturas que nos teriam facilitado muito a vida e aumentado exponencialmente a eficiência e o rendimento das horas de trabalho.
As lições que tirámos foram muitas, e se pudéssemos voltar ao passado e dar alguns conselhos àqueles dois jovens cheios de vontade de ser agricultores e mudar o mundo diríamos:
- Não tenham pressa em abrir uma empresa. Os custos são enormes: o contabilista técnico oficial de contas, os impostos, os pagamentos especiais por conta. E se forem empregados da empresa ainda há os salários e os custos com a Segurança Social… se não fizerem determinados mínimos por mês vão-se ver rapidamente aflitos para pagar as contas.
- Façam um plano de negócios completo e sólido. E quando chegarem à parte difícil das contas peçam ajuda! É mesmo importante saber de onde vem o dinheiro, para onde ele vai, quando vão atingir o break even. É também uma carta na manga quando e se precisarem de pedir financiamento a um banco ou apoios para o vosso projeto.
- Definam bem o que querem do vosso projeto. Definir bem o nicho (quem são os vossos clientes) e dediquem-se a eles. Se a escala é pequena, mantenham-se pequenos mas tornem-se nos melhores, produzam vegetais de alta qualidade, é isso que vos vai dar nome e respeito. Se acharem melhor especializarem-se, façam-no e sejam os melhores.
- Mantenham-se fiéis aos vossos valores e princípios. Se forem bons, consistentes, transparentes e não se deixarem distrair por pressões externas sobre como produzir ou como vender, serão melhores no que fazem e a longo prazo mais sustentável será o vosso negócio.
- Invistam sabiamente e a pensar no longo prazo. Mais uma vez, invistam em tudo o que traga eficiência e acrescente valor ao negócio. Se um mini-tractor com as alfaias certas permitir preparar um bloco numa hora em vez de um dia à mão isso traduz-se em mais energia e mais horas disponíveis para outros trabalhos na horta ou para estudar ou melhorar sistemas. Uma caixa para sementeiras semi-automática; uma zona de lavagem e preparação dos vegetais; um armazém para guardar alfaias, ferramentas e fatores de produção a salvo de ladrões e ratos; uma mini-câmara de frio para guardar as colheitas da véspera do mercado, ou produtos como courgette que tem de se apanhar todos os dias mesmo que não se vendam logo; são tudo investimentos que podem parecer elevados mas que a longo prazo melhoram a eficiência, o rendimento, a energia do agricultor.
- Peçam ajuda! Duas pessoas para cuidar de meio hectare pode ser o suficiente se ambos trabalharem o dia inteiro em full-time mas e as restantes facetas do negócio? Se o que gostam é de ter as mãos na terra não queiram ser contabilistas, vendedores, angariadores de clientes, web designers, fotógrafos, criadores de receitas, costureiros, serralheiros, motoristas/distribuidores, gestores. Não quer dizer que não possam meter a mão numa ou mais destas atividades pontualmente mas para serem bons a produzir têm de se dedicar à produção. Por isso não se distraiam da produção e peçam ajuda a quem é especialista em determinadas áreas. Contratem alguém para trabalhar na horta se for necessário e aceitem trabalho voluntário permanente/prolongado – toda a ajuda é pouca e a verdade é que as pessoas gostam de o fazer.
- Dito isto, pedir ajuda aos amigos é ótimo mas sempre que possível mantenham a contratação de trabalhos vitais para o negócio fora das amizades. Deixem que os amigos ajudem com tarefas e trabalhos assessórios mas que são sempre uma boa desculpa para reuniões animadas, como montar um barracão ou uma mini-estufa, pinturas, etc.
- E finalmente não guardem para vocês a vossa experiência, seja ela boa ou má porque vão certamente ajudar muitos que tentam trilhar os mesmos caminhos. Desde o início que apostámos na divulgação e isso terá sido talvez a coisa mais positiva da forma como gerimos o nosso projeto. Quando começámos todos pareciam esconder para si o segredo do negócio e tivemos imensa dificuldade em encontrar informação, por isso definimos logo que iriamos partilhar tudo com quem encontrasse o nosso site ou o nosso blogue, ou os nossos clientes. Pedimos que façam o mesmo – divulguem este post, divulguem as vossas experiências com a agricultura, as dificuldades e as coisas boas.
Obrigada por estarem connosco nestes últimos anos!”
Telmo e Filipa