Estima-se que o valor do comércio eletrónico em Portugal se tenha situado nos 110,6 Mil Milhões de Euros em 2020, que representa um crescimento de 15% face ao período homólogo.
A pandemia da Covid-19 mudou profundamente os hábitos dos consumidores, transformou empresas e negócios e alavancou substancialmente a aceleração do e-Commerce.
A ACEPI – Associação da Economia Digital estima que em Portugal 57% dos utilizadores de internet fizeram compras online em 2020, com 73% dos compradores online a fazer compras em média 3 a 5 vezes por mês. Além do crescimento de e-shoppers, também o valor gasto e a intensidade de compras estão a crescer.
A população portuguesa é cada vez mais digital, sendo que ao longo dos últimos anos, a utilização da internet tem vindo a aumentar e, em 2019, atingiu três quartos dos portugueses. Considerando o efeito da pandemia COVID-19, terá atingido 81% da população em 2020.
Mas apesar de se ter constatado uma grande evolução na eficácia das modalidades de pagamento, no conteúdo e transparência da informação, nos métodos de entrega e no carrinho de compras flexível e intuitivo, Portugal continua longe da média europeia na utilização do comércio online, muito devido à segurança percebida pelo consumidor.
Até ao próximo dia 28 de novembro, terá que ser transposta para a legislação nacional a nova Diretiva Europeia para direitos do consumidor nas compras online, que vai certamente garantir uma uniformização dos direitos e deveres das lojas e dos utilizadores do e-commerce.
Sobre esta nova diretiva, fica um breve resumo das questões legais, fiscais e de marketing mais relevantes para uma preparação e adaptação dos processos e plataformas de venda online:
Devoluções e garantias
- Conteúdos digitais e bens tangíveis passam a ter os mesmos direitos e obrigações (deixa de existir diferença entre comprar um CD ou adquirir o mesmo álbum em formato digital);
- Reparações e devoluções de artigos comprados pela internet passam a ter as mesmas regras dos artigos adquiridos numa loja física;
- Se o conteúdo ou serviço digital for defeituoso, e caso não seja possível resolver esse problema num período de tempo razoável, o consumidor tem direito a uma redução no preço ou ao reembolso total no prazo de 14 dias;
- Se o defeito surgir no prazo de um ano após a compra, parte-se do princípio que ele já existia quando o produto ou serviço foi adquirido;
- No caso de serviços de fornecimento contínuo, esta obrigação do vendedor estende-se durante toda a duração do contrato;
- Inversão do ónus da prova: terá de ser o vendedor a provar que o problema não se verificava no produto ou serviço;
- Garantia: no caso de produtos de compra única, o período de garantia não pode ser inferior a dois anos; para serviços de fornecimento contínuo, a garantia aplica-se durante toda a duração do contrato;
- Modificação do conteúdo por parte do vendedor: se tiver um impacto negativo no acesso ou utilização do produto, o consumidor tem direito a rescindir o contrato.
Direito de arrependimento/ cancelamento
- Direito a devolver os bens comprados e a receber de volta o dinheiro, sem ter necessidade de qualquer justificação e sem encargos;
- Aplicável a bens e serviços;
- Aplicável apenas a vendedores profissionais (se a compra for efetuada a um particular, não se aplica este direito);
- Aplicável em qualquer país da União Europeia em que a loja eletrónica se situe, incluindo a Islândia e a Noruega;
- Prazo para livre resolução do contrato:
- 14 dias (seguidos), se a informação for dada ao consumidor previamente à celebração do contrato;
- 1 ano, se a informação não tiver sido dada ao consumidor previamente à celebração do contrato;
- O prazo começa a contar a partir da receção do bem pelo consumidor e não a partir da data da celebração do contrato.
- Regras aplicáveis às compras realizadas através da internet, por telefone, correio e fora do estabelecimento comercial, seja qual for a modalidade (vendas à porta do consumidor, na rua, em reuniões ou em excursões organizadas pelo vendedor).
Resolução de conflitos online
- Disponibilização de plataforma eletrónica adequada, acessível às partes através da internet, e que operacionaliza o contacto entre consumidores e comerciantes para a procura de um entendimento satisfatório com intervenção de uma entidade de resolução alternativa, também contactável eletronicamente por meio da mesma plataforma;
- O Centro Europeu do Consumidor foi designado para prestar assistência aos consumidores no acesso à entidade RAL de outro Estado membro que seja competente para a resolução de um determinado litígio de consumo transfronteiriço e também para desempenhar a função de Ponto de Contacto nacional da Plataforma de RLL (ODR) – a plataforma eletrónica de resolução de litígios de consumo online.
Obrigações contratuais: no caso de uma compra online, por telefone, correspondência ou catálogo ou a um vendedor porta a porta, tem direito a receber informações mais pormenorizadas antes de proceder à compra, designadamente:
- Endereço eletrónico do vendedor;
- Eventuais restrições à entrega em certos países;
- Direito a anular a sua encomenda no prazo de 14 dias;
- Serviços de assistência pós-venda disponíveis;
- Mecanismos de resolução de litígios;
- Número de registo comercial do vendedor;
- Título profissional e número de identificação fiscal para efeitos de IVA do comerciante (se aplicável);
- Associação profissional em que está inscrito o vendedor (se aplicável);
- Não é obrigatório o pagamento de despesas de envio ou outros encargos, se não tiver sido informado previamente da dessa obrigação;
- Os contratos devem ser redigidos numa linguagem clara e compreensível e não podem conter cláusulas contratuais abusivas;
- Confirmação por escrito da transação, em papel ou num formato duradouro (mensagem eletrónica ou mensagem para a sua conta pessoal no website do vendedor) devendo poder ser guardada e não ser alterada unilateralmente pelo vendedor.
- IVA
- Alargamento do âmbito do balcão único do IVA a todos os operadores;
- As plataformas online passam a poder cobrar o IVA sobre as vendas à distância;
- O IVA será pago no Estado-membro do consumidor;
- Obrigação de conservação de registos pelas interfaces eletrónicas durante 10 anos;
- As interfaces eletrónicas que viabilizam a venda de produtos ou serviços são solidariamente responsáveis pelo pagamento do imposto com o transmitente dos bens ou o prestador dos serviços relativamente às operações efetuadas através da interface.
- Mudanças previstas na UE:
- Troca de informações financeiras, nomeadamente relativas a beneficiários residentes fiscais noutro Estado-membro
- Aplicação das novas regras para o IVA no comércio eletrónico e reporte de informações financeiras adiada por seis meses (passa a ser obrigatória a partir de julho de 2021).
A publicidade honesta é um direito:
- Os anúncios devem fornecer informações precisas e suficientes relativamente à disponibilidade do produto e à sua composição;
- A publicidade enganosa induz em erro ou é suscetível de induzir em erro as pessoas a quem se dirige, pode conter afirmações exageradas quanto às propriedades dos produtos;
- Prémios, presentes e ofertas gratuitas ou limitadas são outras artimanhas frequentemente utilizadas na publicidade.
Práticas comerciais proibidas:
- Práticas enganosas, por ação (quando são fornecidas informações falsas) ou por omissão (quando são omitidas informações importantes);
- Práticas agressivas, que visam pressionar o consumidor para que compre um determinado produto;
Alguns exemplos:
- Publicidade-isco: não se podem publicitar produtos ou serviços a um preço muito baixo se não tiver stock suficiente, devendo informar os clientes sobre as quantidades disponíveis para venda e o prazo durante o qual a oferta se mantém válida;
- Falsas ofertas grátis: deve ser comunicado o preço real dos seus produtos ou serviços e não se pode dissimular que um serviço é «grátis» ou propor um serviço adicional «grátis» quando, de facto, o custo real dos alegados serviços «grátis» já está incluído no preço normal;
- Manipulação das crianças: o comerciante não pode incitar o seu filho a pedir-lhe que compre um produto. São proibidas exortações diretas como «Compra o livro já!» ou «Pede aos teus pais que te comprem este jogo». Esta proibição aplica-se a todos os media, nomeadamente à televisão e, sobretudo, à internet;
- Falsas alegações de propriedades terapêuticas: o consumidor tem direito a saber se essas alegações foram cientificamente provadas;
- Publi-reportagens: os consumidores têm o direito de saber se determinado artigo de jornal, programa televisivo ou de rádio foi patrocinado por uma empresa como forma de publicitar os seus produtos – esta informação deve ser dada de forma clara, através de imagens, texto ou som;
- Pirâmide: sistemas promocionais em que o consumidor participa financeiramente em troca da possibilidade de receber uma contrapartida. No entanto, essa contrapartida decorre essencialmente do recrutamento de novos participantes, tendo a venda ou o consumo dos produtos um papel secundário. A dada altura, o sistema desmorona-se e o último aderente perde o investimento;
- Falsas promessas de prémios e brindes: não se pode anunciar prémios ou brindes «grátis» e pedir-lhe que pague para os receber;
- Falsas vantagens “especiais”: não se pode oferecer direitos especiais quando, de facto, esses direitos dos consumidores já estão previstos na lei;
- Ofertas durante um período alegadamente limitado;
- Ofertas persistentes e não solicitadas.
Desafios do e-commerce para o futuro
Num ambiente legal em constante mudança, com novas tendências do mercado e do consumidor a surgir, e uma aceleração digital sem precedentes, o comércio online enfrenta desafios estruturantes e está exposto a algumas fragilidades e preocupações.
A segurança da informação e a proteção de dados pessoais, a par dos meios de pagamento digitais, são dos maiores desafios do e-commerce. Uma loja online gere vários tipos de informações sensíveis dos clientes (nome, morada, historial de compras, palavra-passe, dados bancários, dados do cartão de crédito). É por isso imperativo que as empresas garantam a segurança dos websites e aplicações, protegendo os dados dos seus clientes e garantindo o máximo de transparência sobre a gestão dos seus dados pessoais.
Para muitos portugueses, comprar online não é seguro, sendo um dos maiores entraves no pagamento online em Portugal. Ainda são poucos os e-shoppers que acreditam que as lojas online protegem os seus dados e que não os partilham sem a sua devida autorização.
A par disso, verifica-se que existe um atraso significativo na disponibilização e adoção em Portugal dos meios de pagamentos mais utilizados em transações digitais a nível internacional. Apesar de dispormos de alternativas digitais (como o MB Way, MB Net e cartões contactless), só em 2019 chegaram a Portugal serviços como o Amazon Pay, Apple Pay, o Google Pay e o Samsung Pay.
As entregas são também um ponto crítico na decisão de comprar online ou na repetição da compra. Os consumidores estão hoje cada vez mais exigentes nos processos logísticos de entrega da sua encomenda. É importante que o cliente consiga saber em tempo real qual o estado e localização da sua encomenda, assim como deve ser assegurada a rápida entrega do produto.
Portugal encontra-se numa má posição – 43º lugar entre 152 países, devido sobretudo ao critério de avaliação “Índice de Confiabilidade Postal”. Este ponto foi criado pela própria União Postal Universal (UPU) e combina quatro componentes chave: pontuação de alcance; pontuação de relevância; pontuação de resiliência; pontuação de confiabilidade.
No que respeita ao investimento em inovação, muitas vezes afetada pela falta de escala e pela necessidade de alocar recursos a outras atividades das empresas, é importante que as empresas acompanhem a evolução tecnológica e a adaptem à sua realidade, trazendo para o seu canal de vendas novos conceitos e experiências como a inteligência artificial e a inteligência aumentada.
Com o conceito de e-commerce 4.0, as empresas necessitam agora avaliar e equilibrar as diversas plataformas existentes (website, redes sociais, marketplace) de forma a conseguirem chegar aos seus consumidores através de uma integração multicanal das vendas.
Finalmente, um dos temas mais relevantes é o tratamento de dados em escala, não numa perspetiva de proteção de dados pessoais, mas numa perspetiva de negócio. Efetivamente, a integração e comunicação dos vários sistemas de informação de cada negócio é fundamental. Permite não só oferecer ao cliente um serviço cada vez mais relevante ao analisar o seu perfil de consumo, mas também basear a estratégia de vendas e de comunicação com base nesta informação e no feedback.