Em 1996, a RTP exibia um programa intitulado “Falatório”. Apresentado por Clara Ferreira Alves, discutia vários assuntos de interesse para a sociedade e está disponível no Arquivo da RTP e no Youtube. Assisti a um programa em que se discutiu literatura e romances, com adaptações para o cinema, teatro, ópera, etc. Ali confrontaram-se José Saramago (ainda por receber o Nobel), Agustina Bessa-Luís, Luísa Costa Gomes e Miguel Esteves Cardoso. Naquela hora de emissão, com intervenções de todos os convidados, experienciaram-se tantas maravilhas da civilização… Primeiro Agustina, de xaile pelos ombros, e o Saramago, nascidos no mesmo ano, ali a tratarem-se por tu. Miguel Esteves Cardoso a tentar acompanhar os grandes, e Luísa Costa Gomes, sucinta, reticente, mas assertiva nas suas intervenções. E o que se conclui? Que a Arte é tanto, e coisas tão diferentes para cada pessoa!
Saramago diz que escrever é um trabalho como outro qualquer, em que se labuta sobre cada página, e Agustina diz que agora já começam a ter vergonha de dizer que não compreendem o que ela escreve. Miguel Esteves Cardoso sugere que um romancista, como artista, possui uma aura de génio, noção que Saramago repudia com veemência. A parte que me fez rir às gargalhadas, aquela em que Agustina diz que Dostoievski escrevia mal, e constatar que é verdade. Não lemos Dostoievski pelo primor da sua escrita, mas pelas vertigens das suas viagens às vísceras humanas. E ri-me, ri-me imenso. Não há consenso entre estes quatro criadores, nem sobre a forma da escrita, nem sobre o processo, nem sobre o que é um bom romance, nem sobre a ocupação de escrever. E isso é delicioso. Se existe algum programa assim na televisão portuguesa, atualmente – em que pensar é tão urgente! – por favor, informem-me. Se não existe, porque não existe? Vamos confrontar escritores de gerações diferentes, vamos fomentar o debate, o pensamento, a exposição de opiniões controversas. Com isso a civilização pula e avança, e nós avançamos com ela.