Mãe quero colo. Mãe quero colo. Mãe quero colo. Assim prossegue, em gritos infantis, o vizinho do lado.
Neste prédio temos dois espetáculos diários, o das 9 da manhã e o das 19h. É quase religioso.
Hoje tivemos um espetáculo extra à hora de almoço. Mãe quero colo. Mãe quero colo. Mãe quero colo. Grita, guincha, bate com os pés, manda objetos pelo ar, bate com as portas, com as cadeiras (não me esqueço de nada, pois escrevo durante a encenação). Grita novamente. Mãe quero colo. Mãe quero colo.
Mãe quero colo. Chora, bate com a porta. O pai diz que está farto de tudo, sai e bate com a porta de casa, que ressoa nos quatro andares do prédio – isto é o encerrar natural do espetáculo das 19h, quando chega do trabalho e o filho o recebe em casa.
Mãe quero colo. Mãe quero colo. Mãe quero colo. No outro dia, gritava tanto que fui bater à porta.
Perguntei à mãe se precisava ajuda, já não aguentava mais aquele choro aflitivo e agudo que se aloja na têmpora e causa enxaquecas.
Ela disse-me que está exausta. Tem cancro, teve covid, tem uma série de outras complicações. Tem quase 50 anos e este filho veio-lhe tarde, estará nos 5, 6 anos.
Quando ela me abriu a porta, ele parou. Olhou para mim, envergonhado. Nada do corriqueiro: mãe quero colo, mãe quero colo, mãe quero colo. Perguntei-lhe se ele é autista; do pouco que percebo de autismo, passa por esta repetição enlouquecedora de certas expressões, comportamentos.
Ela garante que não, diz que ele se porta bem na escola, com o pai, só com ela é que pratica este jogo de tortura psicológica de manhã à noite. Já acontecia aos fins-de-semana antes do confinamento começar, agora agravou-se.
É um inferno para ela, para mim, para a vizinha debaixo, para ele, com toda a certeza. Mãe quero colo. Mãe quero colo. Mãe quero colo. Ela diz que não é autismo, mas não estou convencida.
Seja o que for, aquela criança precisa de ajuda. Ou, pelo menos, de voltar para a escola.