Há uma semana, o ator de formação Gonçalo Ícaro partilhou, na sua plataforma de Instagram, um vídeo em que denunciava o sentimento de desconsideração que se vive no seio da sua profissão, no que a oportunidades diz respeito.
De modo eloquente, mas também salientando que a culpa não é da jovem que recebeu a oportunidade, explicou que é desesperante que haja formação em tantas áreas artísticas como a de interpretação, para depois as oportunidades serem distribuídas pelos filhos dos rostos que atualmente lideram a televisão em Portugal, ou pelos amigos dos diretores de entretenimento.
Compreendo a indignação do jovem ator, e admiro a sua coragem de partilhar o que muitos terão pensado sem verbalizar.
De facto, é uma péssima imagem dos empregadores na área da ficção, esta de procurarem novos talentos pelo número de seguidores em redes sociais, e baseados na filiação desses novos rostos, em vez de na fonte.
Existe, com toda a certeza, um vasto leque de jovens que puseram o coração e o esforço nesta senda de se tornarem atores, e que têm trabalhado para isso nos últimos anos.
Porém, para se ser ator, é preciso que lhes deem palco, e imagino a frustração desses jovens quando percebem que a seriedade com que encaram a profissão que os apaixona não é a seriedade com que as mãos que seguram as oportunidades as distribuem.
Diria, no entanto, que esta distribuição de oportunidades condicionada pelos contactos é transversal a todas as áreas, neste país.
Por isso é que não somos um país de mérito, nem de excelência, mas sim de influências.
O problema das influências é que nem sempre o filho do nosso melhor amigo é a pessoa certa para gerir o nosso negócio na nossa ausência, e agregado àquele negócio há empregos, futuros, vidas.
Vivemos num mundo altamente mediatizado, um mundo em que alguém que se destaque por algum assunto nas redes sociais é imediatamente sinalizado por diversas marcas e aliciado a publicitar produtos, a fazer parcerias, e a acumular assim vantagens e mais seguidores.
Falamos de pessoas que de repente entram na nossa esfera de conhecimentos pelo número de plantas que têm em casa, um cão ou gato carismáticos, jeito para se maquilharem, perdas gestacionais, filhos com doenças raras, famílias numerosas, crianças a serem crianças e cuja imagem, desde tenra idade, faz chover, em casa dos felizes progenitores, aveia proteica, cremes anti-estrias, comida para cão e colchões confortáveis.
Daqui a cinco anos, ou a um milhão de seguidores, já ninguém se lembrará de como tudo isto começou para a jovem a quem foi dada a oportunidade.
Qual a sua significância, o seu talento? Quem sabe tenha um futuro assegurado, possibilitado por essa convergência de olhos no seu quotidiano e pelo palco que lhe foi dado de bandeja.
E quanto aos Ícaros desta vida? Quem devem culpar pelas asas que se derretem em direção ao sonho da representação? As diretoras de entretenimento? As marcas que ajudam a criar celebridades instantâneas? Aos jovens que já crescem a sonhar serem “influencers”? Ou a todos nós, que reprovamos, mas que não desviamos os olhos?