Foi há 12, 13 anos não menos que isso, era inverno mas estava um sol quente, como é aliás frequente naquelas paragens. Pedalava numa das poucas ruas do Brejão quando ouvimos música, gargalhadas e amena cavaqueira numa língua estranha mas que ao mesmo tempo nos era familiar.
-“Sawadika”!
Virámos a cabeça e parámos as bicicletas. Não é possível…
Tinha acabado de fazer uma viagem pela Tailândia, “Sawadika” foi a palavra que mais ouvi e repeti vezes sem conta, significa: Olá.
Atalhando, convidaram-nos a entrar, ofereceram-nos uma Singha Beer, ( fabricada na Tailândia-não sei como a tinham!) e estivemos à conversa, ou melhor, fomos juntando palavras, em inglês, português e tailandês.
Despedimo-nos com um sorriso e um “Kop Khun Krap”, que é como quem diz, Obrigado!
Incrédulos com este “momento de Tailândia” em pleno Baixo Alentejo, orgulhosos pela diversidade cultural a que o nosso país se permitia, seguimos viagem pelo nosso Paraíso.
Os anfitriões, eram naturalmente trabalhadores das estufas. O começo da primeira vaga de imigrantes asiáticos para os campos agrícolas da costa alentejana.
Ao princípio e apesar do plástico, confortava-me pensar que o negócio iria trazer riqueza à região, bem-estar a quem lá vive e que os campos deixariam de estar ao abandono. Ano após ano, as estufas foram surgindo, qual cogumelos. Depois, naquelas estradas e caminhos, viam-se a pé ou de bicicleta, cada vez mais trabalhadores imigrantes que iam e vinham da jorna. Agora são às dezenas os autocarros das empresas agrícolas com que me cruzo, apinhados de trabalhadores. Passam por mim “a abrir” porque as framboesas e as alfaces não podem esperar, coitadas. Deixam para trás uma nuvem de pó que me tira a visão, como que a querer fazer-me esquecer que existem. É impossível não ver, é impossível não perceber o que ali se passa e o que pode vir a acontecer.
Não me atirem poeira para os olhos! Até porque agora já não sou só eu… São os olhos do Costa, do Marcelo, dos ministros, da Assembleia e do país inteiro porque “deu nas notícias”.
E o que fazem eles? Cercas sanitárias, requisições civis, legislação avulsa, promessas vãs, notícias sensacionalistas. Acordam com o COVID, entram em cena qual bulldozers e saem com paninhos quentes. “Que isto não volte a acontecer, já fiscalizámos, tomem lá uns contentores, escondam–nos aí na propriedade e agora vou ali voltar para a cidade que já se faz tarde!”
E quem lá fica?
Os imigrantes que vão continuar a chegar, as empresas que os contratam ao preço da chuva e que não se importam de atentar contra o ambiente por mais uns milhões, e que ainda por cima, na grande maioria pouco ou nada contribuem para o país por não terem sede fiscal em Portugal. As máfias exploradoras que tratam pessoas como coisas e que estão neste momento a comprar casas e lojas para conseguirem mais vistos de residência. E as famílias que toda a vida lá moraram e o Parque Natural?
Os imigrantes e o COVID são apenas a espuma de uma onda maior que está para vir. As freguesias de São Teotónio e Longueira-Almograve são uma bomba relógio social e ambiental.
Talvez fosse bom pensar-se um pouco mais a fundo, digo eu. E se em vez de bloquearem as estradas bloqueassem o tráfico de pessoas? Se em vez de permitirem a construção de mais estufas (está previsto e aprovado que a área de cultivo intensivo seja aumentada em 3vezes mais, 3 VEZES MAIS!?) protegessem o Parque Natural e acautelassem os recursos Hídricos? A “paisagem protegida” deixou de o ser, a água está a esgotar-se. Das habitações marcadas antigamente em zona de cheias vê-se agora um ténue fio de água que corre apenas no inverno. Para as praias selvagens e paradisíacas escorrem todos os químicos e pesticidas que as estufas não comportam mais.
À população do maior concelho do país, tiraram os transportes, o acesso aos cuidados de saúde (o Hospital mais próximo fica a mais de uma hora) e agora também lhes tiram a água e contaminam-lhes os solos, quando o território é aquilo que mais prezam?
Os imigrantes, também eles, fazem hoje parte deste território chamado Costa Alentejana. Precisam de ser acarinhados, sentirem-se seguros e em casa, no país que agora é o seu. Ainda bem que vieram à luz do dia as condições miseráveis em que vivem, para que possam ser ajudados.
Estão na ordem do dia, merecem ser tratados com todo o respeito e dignidade mas podemos pensar em todos?
A comunidade de Odemira sente-se agora ainda mais excluída, eles que até há pouco tempo só tinham visto homens de turbante nos filmes, que não percebem porque lhes olham para as filhas, que se perguntam como chegam até cá e porque as mulheres tomam banho vestidas?
Alguém pode explicar o que se passa no Paraíso?