Segundo dados do INE, no terceiro trimestre de 2020 havia cerca de 404 mil desempregados em Portugal. Com certeza que muitos destes desempregados devem as circunstâncias do seu desemprego à pandemia, mas tantos outros devem-no à inaptidão do governo para lidar com a crise, antecipar cenários e pensar fora da caixa.
O Ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, anunciou que a partir da meia noite de dia 18 de janeiro, os estabelecimentos de comércio que permanecem autorizados a funcionar devem retirar da sua oferta em loja bens tradicionalmente comercializados em locais de comércio a retalho, entretanto encerrados pelas medidas atuais. Esta decisão engloba a proibição da venda de mobiliário, decoração, jogos, equipamento de desporto, vestuário e livros, entre outros, e não prejudica apenas os consumidores na sua demanda por distração.
Numa ótica de proteger os princípios da concorrência, o governo propôs-se a afundar um pouco mais a economia. O que me leva de volta ao início deste parágrafo, e à questão de ter sido o próprio Ministro da Economia a anunciar a medida. Sabemos que a prioridade para Portugal é redimirmo-nos do pódio de pior país do mundo em termos de número de casos positivos de covid-19 por habitante, e que é nisso que estão focados o Primeiro Ministro, o Ministério da Saúde e tantas outras entidades. Mas será que o Ministro da Economia não poderia ter devotado os seus interesses àquilo que deveria ser a sua preocupação-mor? Isto é, garantir que não se perdem mais oportunidades de negócio, que não se mandam mais funcionários para o desemprego do que os estritamente necessários por conta da pandemia?
Quando me disseram que os supermercados não iam poder vender este tipo de produto, pelos motivos já enumerados, o meu primeiro pensamento foi para com os produtores dos mesmos; pensei nas fábricas de mobiliário, de decoração, de brinquedos, de equipamento de desporto, que passaram por um annus horribilis e que se veem agora a braços com mais este obstáculo à venda da sua produção: fechou-se mais uma janela para os consumidores. A ânsia de aparentar justiça económica resulta noutro par de mãos em torno do pescoço destes negócios.
Pensei, acima de tudo, nos autores, editores, revisores, paginadores, tradutores, ilustradores, tipógrafos – em suma, na indústria livreira –, que precisa de mercado para escoar os seus produtos, e para todas as bocas que alimenta. No lugar dos livros, no supermercado, deparei-me com a pandemia. Substituíram as prateleiras pela monocromia das máscaras, luvas, álcool. Quem se sentia inquieto, pode agora sentir-se completamente deprimido.
Dedico este texto à H., funcionária da Note (livraria associada a um hipermercado), que perdeu o emprego não graças à pandemia, mas sim graças à dificuldade de cálculo do nosso Ministro da Economia.