Entrevista – Benedita Trindade
A Startup Portugal não baixou os braços durante a crise pandémica que atravessamos e continuou a apoiar a sua comunidade. E está já a traçar planos para o pós-crise, onde o empreendedorismo, como consideram os seus responsáveis, terá um papel importante no relançamento da economia. Entrevista com João Borga, director da Startup Portugal
A Startup Portugal é sinónimo claro de empreendedorismo no nosso país…
A Startup Portugal foi criada em 2016 como entidade centralizadora daquilo que era uma política de nacional empreendedorismo, o que tinha o mesmo nome.
A ideia, era ter um organismo que fosse capaz de apoiar e monitorizar o desenvolvimento de novas iniciativas para o empreendedorismo, com a perspectiva de resolver problemas concretos do ecossistema.
Foi seguida depois, em 2018, por uma nova política de apoio ao empreendedorismo, sendo que estamos hoje em dia a terminar algumas das iniciativas dessa altura.
E no momento certo, porque os problemas mudaram muito e precisam de soluções diferentes.
Funciona como um think tank, em que produzimos conhecimento e informação que ajuda os vários actores do ecossistema a tomarem decisões.
Assim, temos ajudado os vários decisores políticos a montarem a estratégia nacional para o empreendedorismo e corporações e grandes startups a pensarem e repensarem a forma como querem ajudar outras a trabalhar.
Tem sido um trabalho contínuo o que temos feito.
2020: Startup Portugal em números
291 empreendedores apoiados e mais de 20 mil pessoas alcançadas com informações sobre o ecossistema através do One Stop Shop- Balcão do Empreendedor (online durante a pandemia), local onde podem ser agendadas reuniões para esclarecer questões relacionadas com o negócio (por exemplo, detalhes legais, apoios públicos disponíveis ou iniciativas privadas para promover o empreendedorismo).
29 webinars com mais de 23 mil participantes.
50 empresas instaladas em Portugal através do programa Startup Visa.
500 apoiados por Startup Voucher.
33 novas parcerias.
434 mil empresas dentro do ecossistema.
77 startups e 214 empreendedores apoiados em missões no estrangeiro.
2 eventos e 7 iniciativas remotas.
430 milhões euros arrecadados por startups portuguesas, com mais de 70% do montante proveniente de fundos estrangeiro e capital de risco.
A Startup Portugal trabalha com vista ao apoio a três grandes vectores da nova realidade.
Primeiro, na construção de um ecossistema, de uma comunidade de entidades que sirvam estas empresas com elevado potencial de crescimento nas suas diversas facetas, principalmente em áreas que não estão ainda cobertas.
Vamos tentando que o ecossistema vá colmatando as falhas até que apareçam actores ou parceiros que as vão colmatando connosco.
Trabalhamos também muito à volta da internacionalização, não apenas no sentido de enviar as nossas empresas para fora, mas também de criar as condições certas para acolher startups internacionais no nosso pais.
Acreditamos vivamente que uma economia aberta e com uma comunidade internacional é a melhor forma de garantir que as nossas startups, as nascidas em Portugal, estarão preparadas a um nível que lhes permite competirem globalmente.
Por último, actuamos também muito ao nível do financiamento. Não só em termos de quadros comunitários e de candidaturas e projectos de apoio, mas de financiamento ligado às capitais de risco, aos vários estágios de investimento, à compilação e reporte de informação. O acesso a este tipo de informação foi, durante muito tempo, uma das grandes dificuldades que os nossos empreendedores e as nossas capitais de risco tinham.
A difusão desta informação é muito importante para a evolução e o aumento de actividade na nossa matriz.
Alterou bastante pois tínhamos muitas coisas que eram feitas com presença física, tanto em processos ligados à preparação e apoio das strartups, como nas missões internacionais ou na participação em feiras e eventos de interligação com os ecossistemas locais.
Até mesmo na recepção da comunidade das startups durante a Web Summit ou em eventos que fazíamos para reunir a comunidade. Tudo isso desapareceu.
Mas, felizmente, pertencemos a uma comunidade onde o digital já estava presente.
O trabalhar remotamente, os nómadas digitais… todas essas realidades sempre estiveram connosco.
Portanto, a transição e a transformação daquilo que era um grupo de actividades que se realizavam física, e presencialmente, para um grupo de actividades semelhantes mas que se realizam digitalmente, não foi uma coisa em que tivéssemos sofrido muito impacto.
Em algumas coisas até encontrámos vantagens.
Para a Startup Portugal como instituição, talvez um pouco menos, mas para as nossas startups houve impactos grandes. Mas não, necessariamente, negativos e iguais para todos.
Tem muito a ver com a tecnologia e com o modelo de negócio que estava a ser aplicado.
As startups ligadas ao turismo sofreram um bocado mais, mas as que estavam ligadas ao B2B digital, cresceram bastante, algumas delas com crescimentos impressionantes,
Por exemplo, a Talkdesk cresceu consideravelmente. Já não é uma startup mas uma scaleup, uma das nossas maiores. Tem vindo a acelerar de uma forma significativa.
Algumas, como a Indie Campers, sofreram um impacto inicial, porque eram do turismo, mas depois acabaram por ver os seus modelos de negócio reconhecidos como mais vantajosos e terem grande oportunidade de proveitos na situação corrente.
Tudo está muito relacionado com as áreas de actividade. Mas claro que a dimensão total desta crise ainda não é conhecida.
A nível do território nacional têm sido alavancadas as iniciativas que já decorriam das duas estratégias anteriores. E temos tratado de passar mais conhecimento para o terreno.
Há na verdade, e sempre foi assim, uma assimetria daquilo que é a informação disponível para quem está a montar uma empresa, que tem muita coisa para aprender e para conhecer.
Fazemos um esforço para tentar reduzir essa assimetria, seja com a produção de conteúdo ou com a redução de barreiras de acesso à informação necessária para os empreendedores terem acesso às medidas.
Numa situação normal, não estaríamos preocupados em explicar as medidas ou transmitir informação de forma mais simplificada que para as PME ou para a economia em geral. Mas, neste momento, sentimos que isso tem valor acrescentado para a nossa comunidade. Precisamos que haja uma capilaridade para isso.
Também temos trabalhado para garantir que os projectos em curso tenham uma execução acelerada, para facilitar os investimentos e determinar oportunidades.
Temos estado também a desenhar algumas medidas de futuro e olhar para os apoios das áreas governativas para o empreendedorismo em sectores específicos. E, principalmente, uma coisa que nos preocupa muito nesta fase, que é monitorizar e voltar a ter indicadores e dados, não só para nosso conhecimento, mas para o conhecimento internacional.
Há, por parte de quem vive em Portugal e experimenta o nosso ecossistema, o reconhecimento do que somos verdadeiramente, mas depois quando vamos para os índices, nem sempre somos reconhecidos.
Isso tem a ver com uma assimetria de informação daquilo que existe escrito em português e que existe escrito lá para fora.
Em 2016 houve um foco grande nisso e achamos que será muito importante para a retoma e o crescimento económico nacional, e para permitir a Portugal ocupar, outra vez, a posição que merece, e deve ter, perante os seus parceiros internacionais.
No início do Covid foram lançadas seis iniciativas específicas para esta área, que variavam entre apoios para capital de risco, redução de barreiras para investimento, etc.
Mas a seguir, temos que compreender que isto é um nicho, a opção governativa passou por apoiar todos por igual, sem diferenciação.
Há medidas como as moratórias, os apoios ao RH, onde houve o cuidado de incluir e tornar elegíveis as startups, mas não houve lançamentos específicos, além dos que mencionei.
Os que estão muito relacionados com o financiamento, como o Startup Voucher ou o 200 M, os que estão directamente relacionados com o investimento nas startups, mas também os de apoio, como os APOIARE, para as empresas que estão a passar mal.
Vejo com alguma dimensão de futuro, o Startup Visa ou o Tech Visa, programas que nos fazem interagir com a comunidade internacional, e as missões internacionais feitas digitalmente. Somos uma mercado pequeno, por natureza as startups funcionam com mercados de nicho e é na escalabilidade que está o seu futuro. Tudo aquilo que seja a internacionalização, atrair pessoas que saibam fazer coisas bem feitas noutros mercados e consigam transferir isso de alguma maneira para o nosso mercado, é muito importante.
Penso que os programas que levam as nossas a conhecerem outras realidades e, consequentemente a internacionalizarem-se, são os que terão maior impacto.
A saúde, principalmente na primeira vaga da pandemia. Muitos de ecommerce, a aceleração do que é o comércio digital. E há uma propensão para o B2B e muitas pessoas a tentarem resolver problemas dentro do B2B. É uma área onde temos muita força e muitos casos bons.
Tem estado bem. Temos empreendedores a montar empresas e continuamos a ter gente a vir para cá; mesmo com as fronteiras fechadas temos um fluxo interessante de pessoas interessadas em vir.
Eu não vejo muita diferença entre os nossos empreendedores. As startups com fundadores estrangeiros trabalham como as portuguesas, recrutam portugueses e internacionais.
Talvez as estrangeiras tenham um perfil um pouco mais internacional que as nossas, muitas vezes são mais autónomas e não estão tão metidas na comunidade de incubadoras e aceleradoras. Mas não é cem por cento assim…
Temos tido uma boa resiliência em todos.
Dois grandes objectivos, duplicar o número de startups em Portugal nos próximos três anos e aumentar, para o dobro, o investimento das empresas.
Contamos com o apoio da Secretaria de Estado da Transição Digital e vamos construir um conjunto de iniciativas e apoios no sentido de alcançar esta ambição meritória.
Terá que haver muito de financiamento, de internacionalização, de apoio à criação de novas ideias.
Tudo isto suportado na percepção de que após uma crise, como aconteceu em 2013, deverá haver um boom de empreendedorismo.
Por isso, temos que ter as condições e ferramentas para apoiar quem decidir enveredar por esta via e montar startups de alto crescimento.
Vimos isso com muitas das nossas key labs que nasceram nessa fase de crise e pós-crise. Isto tem também a ver com o tecido empresarial.
Nas fases do pós-crise, a gestão das empresas mais tradicionais tem maior disponibilidade para receber novação e “fazer” de forma diferente, que é aquilo que as startups sabem fazer muito bem.
Estamos a preparar-nos e a munirmo-nos de ferramentas para esta próxima fase.
Que arranquem com um modelo 100% digital, que olhem para o digital como uma base do trabalho. Não sabemos ainda como vai acabar a pandemia, mas uma coisa é certa, houve uma adopção de ferramentais digitais e uma transformação da forma de trabalhar, em todo o mundo, que se esperava que acontecesse em 10 anos. E aconteceu em ano e meio. A saída disto não vai ser o “normal” de antigamente. O que quer que façam, considerem isto. Se forem 100% digitais, o fundo da rua é o fundo da América do Sul. Não há diferença entre ter uma reunião nos dois locais. Os recursos são os mesmos.
Em segundo lugar, resolvam um problema. Não façam uma coisa por ser “gira”, resolvam o problema de alguém, um produto que estão a consumir agora e que é demasiado caro, não encontrarem um produto…. Mesmo que não seja para muita gente, se for um problema verdadeiro e o resolverem muito bem, as pessoas vão pagar o que vocês precisam para alimentar o vosso modelo de negócio.
Em terceiro, dominem efectivamente as ferramentas de marketing digital; aprendam, e percebam. No início, vão estar sozinhos, por isso saibam como chegar aos clientes. Não só fisicamente, mas também através do digital. Os primeiros tempos vão ser muito difíceis, e se não dedicarem tempo a isso, vão passar mal e desesperar por não verem resultados a chegar. Dominem o CRM e outras ferramentas necessárias para que o negócio flua.