Ana Martins – Jornalista
A história prova que o mundo se transforma sempre com as revoluções, mudando a forma como o percecionamos e fornecendo aos humanos ferramentas de inquestionável importância para a sua evolução e adaptação a novas formas e vivências.
Quem não se lembra da primeira revolução industrial? Aquela em que a máquina de vapor, no final do século 18, foi a protagonista e significou a passagem de uma economia agrícola para uma economia industrial.
Agora, o mundo assiste e vivencia uma outra revolução: a digital, que significa uma enorme mudança e um novo e constante processo de adaptação e atualização de conhecimentos.
Após a alfabetização das duas primeiras revoluções digitais, telecomunicações e informática, estamos agora na terceira: a fabricação.
Como nos casos anteriores, é necessário um processo de formação digital massiva.
Esta é a revolução tecnológica que modificará a forma como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos, numa escala de alcance e complexidade sem paralelo na história da humanidade. E temos de estar preparados e, sobretudo, explicar às gerações futuras, através da inclusão digital, no que consiste a democratização do acesso às tecnologias, nas suas mais variadas formas e conceitos.
Na Estremadura espanhola existe o FabLab Xtrene, mais precisamente em Almendralejo (Badajoz) Espanha.
O “Fablab” é a abreviatura de “Fabrication Laboratory”.
Carlos Cano é um dos administradores da “Fab Academy” e é programador de computadores. Define-se como criador e curioso. É membro da associação (Xtrene) que promoveu o uso de tecnologias livres e a criação de um FabLab na sua região.
“Um Fab Lab é um laboratório digital que possui equipamentos e maquinaria associados a novos processos de manufatura aditiva, bem como competências tecnológicas relacionadas com a eletrónica e programação, onde, graças aos recursos disponíveis e ao trabalho colaborativo e aberto aos seus utilizadores, eles transformam o espaço num lugar onde quase tudo pode ser feito”, explica.
O FabLab materializa e concretiza as mais diversas ideias, segundo Carlos Cano.
“É o espaço que torna realidade todas as ideias que temos na nossa cabeça e passamos dos bits que constituem os arquivos digitais para os átomos que constituem os objetos físicos”, define.
Javier García, tem 22 anos de idade e é de Almendralejo (Badajoz, Espanha).
Atualmente está a terminar o último ano do curso de Engenharia de Desenho Industrial, na Universidade da Estremadura, em Espanha, e sempre gostou de testar os seus limites na aprendizagem, considerando que “a curiosidade traz sempre oportunidades e surpresas”.
Seguindo esta filosofia criou o projeto “Pote inteligente com ESP32”.
Trata-se de um Kit de vaso inteligente desenvolvido a partir de um microcontrolador ESP, que possui um sensor de humidade do solo, um sensor de temperatura e humidade ambiente e um LED RGB que nos diz se a planta está nas condições ideais.
“Dependendo da planta que temos no vaso, podemos saber que se a planta ficar verde está na situação ideal, se ficar azul precisa de rega e se está vermelha está sujeita a uma temperatura elevada”, exemplifica.
Javier justifica que o principal objetivo deste pote/vaso inteligente é ser um instrumento de ensino.
“A ideia deste kit é servir para uso educacional, de forma a que os alunos do ensino médio possam utilizá-lo para adquirir conhecimentos de tecnologia e botânica ao mesmo tempo”, refere Javier.
Javier García é um jovem empreendedor que concretizou a sua ideia, através do desenvolvimento de um protótipo no Fab Lab Xtrene, em Almendralejo.
Para as primeiras edições do protótipo utilizou o cortador a laser. Porém, para a proposta definitiva, irá recorrer à impressão 3 D, como método de fabricação e sempre com tecnologia open-source para o hardware e software do vaso/pote.
“Ter o FabLab como suporte permite materializar modelos e elementos, numa questão de horas, o que possibilita avançar muito rapidamente nas propostas e melhorias. Mas não se trata apenas de ter a tecnologia, mas de ter grandes profissionais como David que conhece todos os limites da manufatura 3D ou Juan Carlos que é capaz de implementar e melhorar software e hardware. Também permite a utilização de metodologias como o Design Thinking em todas as suas fases, onde cada modelo é aprimorado para alcançar o melhor produto possível”, considerou ainda Javier.
O FabLab Xtrene nasceu com o claro propósito de deixar a sua impressão digital na vertente educacional e na alfabetização digital.
As associações que compõem o FabLab – a associação Xtrene, a associação eHealth for People e a Almendralejo Digital – partilham estes objetivos.
“Atualmente, após os anos em que atuamos, o FabLab Xtrene possui três linhas de ação: Projetos de inovação educacional e integração da cultura maker na sala de aula em todos os níveis de ensino – Educação Infantil, Primária, Secundária e Especial; desenvolvimento de projetos de transformação digital para entidades de qualquer setor e criação de soluções abertas de agro-tecnologia”, enumera Carlos Cano.
Este organismo desenvolve assim uma importante ponte entre a modernização e atualidade digital com o mundo escolar, como explica Cano.
“O FabLab Xtrene está integrado no desenvolvimento de projetos de inovação educacional que permitem a integração das competências STEAM, habilidades do século 21 e cultura maker em todos os níveis e modalidades de ensino, desde a Educação Infantil à Educação Especial e em todos os conteúdos curriculares.
Somos uma ponte que une o uso da tecnologia de forma criativa com os professores da Estremadura, para que de forma simples, prática e divertida, todas as competências que trabalhamos no FabLab possam ser integradas na sala de aula”, conclui o Diretor.
O trabalho desenvolvido ao longo dos anos no Fab Lab Xtrene tem vindo a ser reconhecido e proporcionado que outros parceiros se juntem num propósito comum: a democratização digital.
“Realizamos um projeto CITE de inovação educacional, aprovado pelo Ministério do Trabalho e Educação da Junta da Estremadura, no Centro de Educação Especial Antonio Tomillo de Zafra, onde será criada a primeira sala de aula maker numa escola especial.
Aqui também desenvolveremos um processo de treino para toda a equipa docente e de suporte técnico do centro educacional, onde serão ministrados conhecimentos em design e impressão 3D, programação em linguagens de bloco como Scratch , eletrónica criativa com Arduino, processos de inovação baseados em Design Thinking, robótica educacional e uso de Realidade Virtual ou Aumentada no seu ambiente educacional”.
O FabLab da Estremadura tem cinco salas e um armazém, onde são realizadas diferentes atividades.
Por exemplo, a sala Hedy Lamarr é o espaço para o ensino da robótica. Aqui, meninas e meninos a partir dos seis anos, aprendem a programar robôs educacionais e o pensamento computacional. Para a concretização deste trabalho são utilizadas diversas plataformas de robótica.
“Temos robôs LEGO, MAKEBLOCK Mbot, Mío Robo3, Beebot, Escornabots e printbots que fabricamos baseados em Arduino”, conta Carlos Cano.
No FabLab existe uma sala para design e programação; a sala de investigação e desenvolvimento multimédia; a sala Tesla, que é o espaço de manufatura digital, onde existe o farm de impressoras 3D, como atesta Cano.
“Temos Ender 3 Pro, Anycubic MEGA, CR-10, uma impressora Delta, alguns i3 de fabricação própria, alguns BCN + e Artillery Genius que adicionam até um total de 12 impressoras”.
A tecnologia, assim como a natureza, está em constante renovação. Por isso, os administradores do FabLab Xtrene procuram estar sempre à frente na atualização das propostas tecnológicas.
“No futuro, pretendemos criar um espaço de coworking para futuros empreendedores e assim ligar o FabLab Xtrene ao Ecossistema EGE (Global Entrepreneurship Space) da Câmara Municipal de Almendralejo”.
Os projetos nascidos no FabLab Xtrene têm a sua assinatura e ADN espalhados pela região, pelo país e pelo mundo.
Foi aqui que teve origem a criação do primeiro laboratório de manufatura digital em Cuba, denominado PlanetLab e localizado atualmente no Planetário da Cidade de Havana.
“Este projeto realizado em 2019 gerou uma conexão estável entre o FabLab Xtrene, a equipa técnica do Planetário de Havana e o grupo The Cuban Tech Group, fabricantes cubanos que trabalham no desenvolvimento de projetos com jovens nos centros A + do Escritório do Historiador da cidade de Havana”, referiu com orgulho Carlos Cano.
Martín Sanz González, 31 anos, é de Sevilha. É Técnico Superior em Som e Manutenção Eletrônica, sendo graduado em música elementar. Está atualmente desempregado. Era técnico de som antes da pandemia.
No FabLab Xtreme teve oportunidade de desenvolver um projeto que há muito ambicionava e teve acesso a um mundo de ferramentas e conhecimentos que lhe permitiram desenvolver o “Cacharro Midi”.
O projeto designa-se “Fazer Coisas”.
“No início, controladores Midi personalizados baseados em Arduino eram feitos sob o nome “Cacharro Midi”. Após adquirir conhecimentos no FabLab, estes são misturados com o “Cacharro Midi” para criar um canal no Youtube, “Doing Things”, onde são feitas modificações e customizações nos dispositivos”, explica.
Para a concretização do seu projeto recorreu à utilização da Impressora 3D, cortador de vinil e cortador a laser, contudo o mais relevante neste percurso foi o fator humano.
“Para mim o equipamento mais importante no FabLab Xtrene é o humano. O ambiente de empreendedorismo, inovação, positividade, incentivo e amizade que é palpável na Xtrene ajudou-me e continua a ajudar-me e a motivar-me a seguir em frente”, reconhece Martín.
Pode aceder a esta plataforma, através do endereço: https://www.youtube.com/c/HaciendoCosas/videos
Os FabLab integram uma rede colaborativa global que partilha projetos e conhecimentos, permitindo acompanhar a evolução digital e a concorrência mais competitiva.
“Através da plataforma www.fablabs.io, qualquer FabLab do mundo pode aceder a informações sobre outro espaço, aos seus projetos e entrar em contato com os seus gestores para replicar os mesmos”, concretiza Carlos Cano.
Do lado português, mais próximo de Espanha, existem o Fablab ÉvoraTech; o Aldeias do Xisto, no Fundão e o FabLab Castelo Branco.
O maker Diogo Ribeiro, em conjunto com outros amigos, está a tentar criar um FabLab na região de Elvas.
A proximidade física entre estas regiões pode fomentar outro tipo de colaborações e cooperação transfronteiriça, nomeadamente no âmbito da euroregião.
“Num evento que teve lugar em Villafranca de los Barros, em Badajoz (Espanha), foi criada uma mesa de trabalho sobre o futuro do movimento maker na Região Euroace – Extremadura, Alentejo e Região Centro -, com o intuito de criar sinergias e projetos comuns”, referiu Carlos Cano.
No futuro, o FabLab Xtrene pretende desenvolver um projeto baseado em soluções agrotecnológicas, com recurso a tecnologias abertas, no qual, através de um jardim digital, se propõem a criar o denominado terraMAKER.
Mas as ambições não ficam por aqui. A comunidade do Xtrene pretende desenvolver produtos de suporte ou adaptações para utilizadores especiais.
No maker space que irão criar no Centro de Educação Especial Antonio Tomillo de Zafra desafiam-se a desenvolver uma cadeira exploradora inteligente Creative Common.
“Esta cadeira é destinada a ser utilizada por um utente do centro com três anos de idade com paralisia cerebral, e que lhe permitirá ter uma oportunidade real de interagir com o meio ambiente, descobrir a relação causa-efeito de forma evidenciada no seu próprio corpo, vivenciar a exploração do ambiente de forma autónoma, promover a aprendizagem de conceitos de forma evidenciada e, por fim, motivar a aquisição de qualquer tipo de aprendizagem.
Com este equipamento poderá desfrutar de um movimento autónomo e seguro através de espaços controlados”, assegura Carlos Cano, o responsável do FabLab Xtrene.
Como aceder ao FabLab Xtrene: https://www.xtrene.com/




